quinta-feira, 30 de agosto de 2007

 

 

the woman who could not live with her faulty heart

 

 

Margaret Atwood



#1

prolapso sistólico da válvula mitral é disfemismo para o romântico sopro no coração. mas há muito menos romance do que se espera nas funções corporais. um corpo que falha é um corpo que dói. é um corpo que arderá noite adentro, inconsolável, sem outro corpo que o serene. e o mundo parece um lugar mais solitário e todos os lugares parecem corredores do medo, sentir-se presa quando não há predador à vista. há minutos em que um corpo arrasado não se basta para proteger o sopro que o habita: a literatura não consegue disfarçar a enfermidade.

1 de Fevereiro de 2007






#2

dói ter um corpo
um amontoado vivo
de tecidos e desejos
de vazios impossíveis
de preencher.
músculos constrangidos
tensos apertados
feridas abertas
orgãos insuficientes
se o corpo por si
falha e dói
para que queremos ainda
a invenção do amor?

1 de Fevereiro de 2007



custa ter um corpo
um amontoado vivo
de tecidos desejos vazios
impossíveis de circunscrever.
músculos constrangidos
tensos apertados
feridas abertas
orgãos insuficientes.

se o corpo por si
adoece falha e dói
para que queremos ainda
a invenção do amor?


Dezembro de 2007

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posted by saturnine | 19:23 | 0 comments

 

 

 

 

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assim como corpos em chamas

 

 

é tão tarde para contar, centímetro a centímetro, este aperto no lado esquerdo da noite.

15 de Janeiro de 2007

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posted by saturnine | 19:22 | 0 comments

 

 

 

 

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so this is literature

 

 

#1

apesar de ti, estou aqui.
e eu conheço a matéria dos buracos negros.
nada te peço, mas sobrevivo-te


4 de Outubro de 2006





#2

aquele que traz
o coração ao pé da boca
vive do sabor rubro do sangue
e corta o pão
com a faca
sempre demasiado perto dos dedos.

9 de Outubro de 2006





#3

aquele que sente o frio
do lado de dentro
do coração
à falta de melhor gesto
esconde as mãos
por baixo da roupa
mas encontra
sempre os bolsos vazios.

11 de Outubro de 2006





#4

aquele a quem o mundo
dói em cada terminação
sensível
aperta
cegos botões noutro corpos
sempre com demasiada força.

11 de Outubro de 2006

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das palavras

 

 

Nós tínhamos só as palavras. E esqueceramo-nos que ter só as palavras é não ter absolutamente nada, do tão pouco que dizem de nós. É um equívoco do amor, nunca te encontrei em nenhuma das coisas que escreveste. E em nenhum outro lugar exististe tanto.

5 de Setembro de 2006






april was the cruelest month

«É terrível crescer, aprender a suportar sozinha as convulsões da carne, as esperas, o que arde e dói.»

3 de Outubro de 2006

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verão emparedado

 

 

comoalgo malévolo se aproxima - alguma coisa fermenta, desconhecida, silenciosa. tem o peso deste calor excessivo, do inferno que é esta terra onde nenhum sopro é possível. desumano não é o silêncio, é a inimutabilidade.

11 de Julho de 2006

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pré-hora

 

 

#1
a noite morde
com boca inflamada
a tibieza da fome.



#2
a própria fome morde
alguns ossos doridos
restos de horas atravessadas
de farsas.

11 de Julho de 2006

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tu não morres nunca
enquanto eu atirar pedras
contra o charco do teu silêncio

- e eu conheço bem
o estertor da morte
o som cavo e ritmado
da terra a espancar a madeira.

20 de Junho de 2006

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acidentes e outros desastres quotidianos #2

 

 

#1

hoje
experimentar a respiração:
mundo, tira as mãos
de dentro da minha garganta.




#2

mundo, afrouxa os dedos
sobre as minhas entranhas
dói-me o corpo
em lugares que não tenho
onde eu vou
tu já não alcanças.




#3

este corpo conhece o exercício
da hedionda imobilidade
ante o que dói excessivamente

mundo, retira a tua mão agora
para que eu possa cair de borco.




#4

apodreceu o perfume
dos lilases nas janelas

gangrena o dia
alienado do sol

mundo, remove o teu braço
deste inútil naco de carne




#5

eu teria esperado um dia inteiro
agora não resta senão o vazio dos bolsos
a dor de todas as ruas vazias *

mundo, desaperta a crispação
em redor da carne viva.


* verso de Al Berto




#6

Será possível que nada se cumprisse? *
como pode alguém levar alguém pela mão
e largá-la sozinha no meio das sombras?
que foi feito dos abraços que enuciaste
da fé nos dias, do contentamento pelas
pequenas coisas?
já não tenho espaço para todas as canções
para todos os poemas em que me faltas
o meu corpo excedia-te e tudo
me excede agora a mim.
mundo, se tem que ser
aperta as tuas mãos
sobre o meu pescoço
mas não vaciles
corta-me o ar
que eu morro
deste veneno
que respiro.


* verso de Sohpia de Mello Breyner Andresen




#7

ainda que saiba de cor
a textura das manhãs
que sucedem os desastres
abro os olhos somente
para os oferecer
aos pombos e aos abutres
mundo, ajuda-me a desnascer.





#8

como é nojento o bicho-pessoa
dorido, de entranhas abertas
dá o coração a comer aos ratos
para fingir-se não vazio substitui
a pele por barbitúricos
e benzodiazepinas.

17 de Fevereiro de 2006






t.s. elliot

níveis mínimos de suporte de vida.
o lugar da ausência,
ou como se aprende que abril era mesmo o mais cruel dos meses.

31 de Maio de 2006

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acidentes e outros desastres quotidianos

 

 

(...)


é provável que a noite cobre
a sua dívida de horas mortas
e para o exercício da espera
não me basto
deponho este corpo inútil
que não soube incandescer
agora uma outra devastação
me habita
vou só ali
despenhar-me no silêncio.

14 de Fevereiro de 2006








frágil

é preciso cuidar
se se carrega
o coração nas mãos
as ruas estão
cheias de acidentes
e é tão frágil
o tecido dos instantes.

16 de Março de 2006







do inesperado crime de ter um corpo

arrancar a pele
como um orgão inútil

- mas a carne viva arde e dói -

resta o corpo
cego e paralisado
um aglomerado de medo
no coração de uma cidade devastada

3 de Abril de 2006

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os ratos

quando eu morrer
haverá um festim

um a um
comerão os ratos
os ossos
os restos

da minha ausência.

25 de Janeiro de 2006

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breu

 

 

sábado. três da manhã na estrada sem ninguém. o mundo evapora-se à emergência de Sigur Rós. a noite cai inteira como um poço negro. Svefn-g-englar atravessa-a como uma flor de estiletes.

17 de Janeiro de 2006

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a intacta ferida

 

 

a noite
é uma pedra negra
o peito aberto
uma estrada
que ninguém trilha

9 de Janeiro de 2006

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~

 

 

és tu a manhã

a penumbra diluída
junto às portas
porque é sempre excessiva
a primeira luz
dentro do quarto.


os corpos conhecem
os contornos silenciosos
das paredes

e um outro nome me chama
onde tu não estás


bastante é só
a certeza
de que um braço me acharia
acaso me demorasse
no meio das sombras
mais que meia-hora.

7 de Janeiro de 2006

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hoje é um dia reservado ao veneno
e às pequeninas coisas *


como os objectos que habitam
os lugares marginais do chão
as beatas e as pedras
a lama e os passos
ou um bilhete
que cai de um bolso
distraído
porque as palavras
já não valem
a pena.


* versos de António José Forte

6 de Janeiro de 2006

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