#1
hoje
experimentar a respiração:
mundo, tira as mãos
de dentro da minha garganta.
#2
mundo, afrouxa os dedos
sobre as minhas entranhas
dói-me o corpo
em lugares que não tenho
onde eu vou
tu já não alcanças.
#3
este corpo conhece o exercício
da hedionda imobilidade
ante o que dói excessivamente
mundo, retira a tua mão agora
para que eu possa cair de borco.
#4
apodreceu o perfume
dos lilases nas janelas
gangrena o dia
alienado do sol
mundo, remove o teu braço
deste inútil naco de carne
#5
eu teria esperado um dia inteiro
agora não resta senão o vazio dos bolsos
a dor de todas as ruas vazias *
mundo, desaperta a crispação
em redor da carne viva.
* verso de Al Berto
#6
Será possível que nada se cumprisse? *
como pode alguém levar alguém pela mão
e largá-la sozinha no meio das sombras?
que foi feito dos abraços que enuciaste
da fé nos dias, do contentamento pelas
pequenas coisas?
já não tenho espaço para todas as canções
para todos os poemas em que me faltas
o meu corpo excedia-te e tudo
me excede agora a mim.
mundo, se tem que ser
aperta as tuas mãos
sobre o meu pescoço
mas não vaciles
corta-me o ar
que eu morro
deste veneno
que respiro.
* verso de Sohpia de Mello Breyner Andresen
#7
ainda que saiba de cor
a textura das manhãs
que sucedem os desastres
abro os olhos somente
para os oferecer
aos pombos e aos abutres
mundo, ajuda-me a desnascer.
#8
como é nojento o bicho-pessoa
dorido, de entranhas abertas
dá o coração a comer aos ratos
para fingir-se não vazio substitui
a pele por barbitúricos
e benzodiazepinas.
17 de Fevereiro de 2006
t.s. elliot
níveis mínimos de suporte de vida.
o lugar da ausência,
ou como se aprende que abril era mesmo o mais cruel dos meses.
31 de Maio de 2006
Etiquetas: a intacta ferida, o misantropo, pedra polida