domingo, 30 de dezembro de 2007

 

 

so this is literature

 

 

#5

aquele que inventa
o lugar do amor
junto ao esterno
sob a caverna das costelas
torce secretamente pelo
aperto no lado esquerdo
torce pelo
esmagamento de uma
bomba que nunca dorme

e conhece o protestar do corpo
que subitamente
desarma

falha
adoece
e dói.




aquele que inventa
o lugar do amor
junto ao esterno
sob a caverna das costelas
adormece sempre demasiado próximo
do esmagamento e - se tarda -
todo o corpo lhe dói.

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posted by saturnine | 19:55 | 1 comments

 

 

 

 

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A um homem moreno:

 

 

o que eu queria era um lugar perto de ti
onde a morte não cavasse as suas interrupções
por entre as frestas
do amor e do medo



justamente quando começava a sarar
a pele por baixo das unhas
e se afeiçoara a boca
à forma fria do vento
é cuspido o corpo
de volta para o lugar
onde se distribuem
as feridas.


19 de Novembro de 2007

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posted by saturnine | 19:53 | 0 comments

 

 

 

 

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níveis mínimos de suporte de vida

 

 

coração:
ainda não é hoje
que vais
sossegar.



o mundo avança ainda: só eu caí noutro lugar qualquer
onde os afectos e as memórias se desfazem
e diluem




coração:
quão espaçadamente soluças
como se te esquecesses
de bater.


11 de Novembro de 2007

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posted by saturnine | 19:51 | 1 comments

 

 

 

 

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segunda-feira, 29 de outubro de 2007

 

 

suposição

 

 

tu poderias ter tido um corpo
tu poderias ter um corpo
eu poderia ter sido o teu corpo
se me tivesses permitido o engano
de desenhar-te
com a ponta dos dedos
saber-te-ia de cor
como se fosse cega
e a tua figura perfeita
teria sido
um lugar das minhas mãos
um lugar a queimar as minhas mãos
e teríamos ardido nesse incêndio
ateado pelo cheiro
da tua pele

como eu teria gostado
de saborear esse engano
na ponta dos dedos
em carne viva
jogar à cabra-cega
com os demónios da sede
como eu teria gostado
de tudo isso

não fora tão rápido
o cavalgar da morte
sobre o desejo
não foras tu
apenas
um lugar impossível
nos meus olhos.

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posted by saturnine | 21:18 | 1 comments

 

 

 

 

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us people are just poems

 

 

dizer de um livro:
como um corpo
carregando
a anatomia íntima
das palavras


era noite escura
tinha os pés frios
uma boca cravada sobre o esterno
na mesinha de cabeceira
a companhia incendiária de Al Berto
no chão a caixa vermelha
das preciosidades

um gesto imprudente atira
para o vazio
a minha aflição
desajeitada

caiu-me o Medo
para dentro do poço do coração.

29 de Outubro de 2007

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posted by saturnine | 21:17 | 0 comments

 

 

 

 

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*?*

 

 

a partir do centro
abre-se no peito
uma caverna circular:
é a flor nocturna que desabrocha
ou aquele bicho estimado
que rói
morde
desgasta
a carne em seu redor?

22 de Outubro de 2007

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posted by saturnine | 21:15 | 0 comments

 

 

 

 

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aquele velho canto escuro
que tudo sabe tudo vê
espreita
a amálgama nervosa de um peito
dorido habitáculo
de uma flor nocturna

o seu olho agudo
conhece
o lugar exacto do medo
_e o peito desaba
a partir do centro_

a esponja vermelha da espera
suga devora engole
o corpo inteiro
a partir do esterno.

21 de Outubro de 2007

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Primeira Lei da Metáfora do Corpo Enquanto Acordeão:

 

 

primeira evidência: o pedal da embraiagem, quando pressionado com o pé, apenas desembraia o motor, permitindo mover a alavanca da caixa de velocidades; é apenas quando é libertado da pressão do pé que se processa a embraiagem do motor, passando a efeito a acção de mudança de velocidade;

segunda evidência: perante um ferimento de bala, ou semelhante, frequentemente o corpo humano alberga essoutro corpo estranho como garantia de sobrevivência, mantendo a vida sustentável num precário equilíbrio; é no momento da extracção do corpo estranho que se desencadeia a hemorragia que poderá ser fatal ao corpo humano que o alberga.

terceira evidência: no caso de alguns botões - como os que servem a função de ligar e desligar electrodomésticos diversos, como os rádios e televisores -, a pressão por si só não opera qualquer efeito no aparelho; a acção pretendida de ligar/desligar o aparelho só produz efeito no momento em que o respectivo botão é largado.


Primeira Lei da Metáfora do Corpo Enquanto Acordeão: a infelicidade, a dois, é uma forma deficiente e imperfeita da felicidade. o que dói não é o que tu me fazes - enquanto fazes, afirmas-te presente; é quando te vais embora, quando removes o dedo do botão que sustenta o caudal hemorrágico da minha ferida, que passa a doer o que tu me fizeste - afirmação pretérita da tua ausência.

9 de Outubro de 2007

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posted by saturnine | 21:08 | 0 comments

 

 

 

 

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domingo, 30 de setembro de 2007

 

 

Hemoglobina

 

 

o mal maior, esse instransponível, é verificar que onde a respiração é difícil não é no lugar que se habita, mas no próprio corpo - e não há outro corpo para onde escapar. descansar, apenas. deixa-me só repousar aqui um bocadinho no teu tórax e já sigo o meu caminho. é frágil a matéria viva, sangra desalmadamente como um dedo cortado. 'os outros' é toda uma massa anónima distante que não reconheço. a familiaridade cortada à faca como nacos de carne, arrancada ao quotidiano pelos hábitos da misantropia. é-se tão fingida mas genuinamente feliz nas palavras. muitos vivas para a literatura. mas ninguém está presente naquele canto escuro, que tudo sabe, onde há fome e dívidas e memórias quebradiças de pessoas que seguem para longe e explodem - olha, como o Al Berto - como dois astros de éter.

28 de Abril de 2007

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quinta-feira, 30 de agosto de 2007

 

 

the woman who could not live with her faulty heart

 

 

Margaret Atwood



#1

prolapso sistólico da válvula mitral é disfemismo para o romântico sopro no coração. mas há muito menos romance do que se espera nas funções corporais. um corpo que falha é um corpo que dói. é um corpo que arderá noite adentro, inconsolável, sem outro corpo que o serene. e o mundo parece um lugar mais solitário e todos os lugares parecem corredores do medo, sentir-se presa quando não há predador à vista. há minutos em que um corpo arrasado não se basta para proteger o sopro que o habita: a literatura não consegue disfarçar a enfermidade.

1 de Fevereiro de 2007






#2

dói ter um corpo
um amontoado vivo
de tecidos e desejos
de vazios impossíveis
de preencher.
músculos constrangidos
tensos apertados
feridas abertas
orgãos insuficientes
se o corpo por si
falha e dói
para que queremos ainda
a invenção do amor?

1 de Fevereiro de 2007



custa ter um corpo
um amontoado vivo
de tecidos desejos vazios
impossíveis de circunscrever.
músculos constrangidos
tensos apertados
feridas abertas
orgãos insuficientes.

se o corpo por si
adoece falha e dói
para que queremos ainda
a invenção do amor?


Dezembro de 2007

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acidentes e outros desastres quotidianos

 

 

(...)


é provável que a noite cobre
a sua dívida de horas mortas
e para o exercício da espera
não me basto
deponho este corpo inútil
que não soube incandescer
agora uma outra devastação
me habita
vou só ali
despenhar-me no silêncio.

14 de Fevereiro de 2006








frágil

é preciso cuidar
se se carrega
o coração nas mãos
as ruas estão
cheias de acidentes
e é tão frágil
o tecido dos instantes.

16 de Março de 2006







do inesperado crime de ter um corpo

arrancar a pele
como um orgão inútil

- mas a carne viva arde e dói -

resta o corpo
cego e paralisado
um aglomerado de medo
no coração de uma cidade devastada

3 de Abril de 2006

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sexta-feira, 13 de julho de 2007

 

 

 

 

algumas coisas sobre os homens #1

cada corpo tem uma cartografia. aqueles braços, aquelas costas direitas, aquele tronco alto e firme, erguido contra a noite como uma rocha. e depois um odor, uma leve sobreexcitação, os lugares que os meus dedos percorreriam, se fossem livres.

2 de Agosto de 2005

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sábado, 7 de julho de 2007

 

 

rouge est la couleur du sang #2

 

 

onde a noite coincide com a matéria táctil do sono e do silêncio, a polpa viva do sangue borbulha e ferve.

20 de Novembro de 2004

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rouge est la couleur du sang

 

 

(veia, artéria
líquido, fluído
massa, tecido
sangue, ferida
útero, silêncio)


_________________________
vem comigo
até aos últimos lugares do sono
vamos escutar
a noite no arvoredo


19 de Novembro de 2004

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