sexta-feira, 22 de junho de 2007
post-scriptum
Era preciso escrever, mesmo apesar do cansaço, e da pesada fibra nocturna da penumbra. Escrever para resgatar o tempo que passa, os momentos que adiei para depois, escrever como quem procura salvar alguma coisa, sabendo bem — como Duras — que a escrita não salva de coisa nenhuma. E é verdade que os dias de sol não servem para escrever, aprendemos a guardar as palavras na margem da boca, para depois, porque a primeira urgência é apenas fruir do lento ardor do solo. Por isso se guarda este ofício para as noites, quando as sombras se abeiram da insónia, mesmo quando não há medo, mesmo quando há só silêncio pacífico. Respiro o azul-negro das horas tardias já em pressentimento do verão, a partir de agora sei que a minha estação está próxima e que em breve desenrolarei os membros entorpecidos, como asas guardadas pelo inverno. Acontece que voltei a ver com frequência o rosto diluído da mulher junto ao cais, o seu vestido branco ondulando ao sabor do vento, e sei que naquele ar há um perfume de magnólias. O mar está próximo, e sei que se caminhar, se a vir dar um passo, há-de ir pelo meio das ruas estreitas de uma vila pequena em direcção à praia, onde os muros brancos de cal ardem sobre o sol, e os amantes que passam descansam o medo à sombra das amoreiras.
27 de Abril de 2004Etiquetas: atlântica, escrever, little black spot, noite |
posted by saturnine |
17:22
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